Aracaju e o Apagão Literário: Um Convite à Reflexão no Dia Mundial do Livro

Por *Emanuel Rocha
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Hoje é o Dia Mundial do Livro. Uma data que, em muitos lugares, é celebrada com feiras, encontros literários, bibliotecas acolhedoras e aquele cheiro gostoso de páginas recém-viradas. Em Aracaju, porém, esse dia nos convida a uma reflexão mais profunda sobre o lugar que a leitura ocupa em nossa cidade.


Enquanto muitas cidades tratam os livros como pontes para o conhecimento e a cidadania, aqui ainda enfrentamos desafios. Aracaju conta com apenas três bibliotecas públicas municipais: Mário Cabral, Clodomir Silva e Ivone de Menezes. Dessas, apenas duas estão em pleno funcionamento. A Clodomir Silva, no Siqueira Campos, está em reforma há tanto tempo que parece ter caído no esquecimento. O investimento já ultrapassa meio milhão de reais, mas as portas continuam fechadas para quem mais precisa.


Quem sente isso no dia a dia? Estudantes, professores, famílias inteiras que perdem o acesso a um espaço essencial para a formação e o sonho. Nas periferias, a ausência de livros e bibliotecas é ainda mais sentida. Campanhas nas redes sociais são importantes, mas não substituem o contato direto com os livros, o convívio em um espaço que inspire e acolha.


Paulo Freire nos lembrava: “Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica.” Negligenciar as bibliotecas públicas não é um simples descuido — é uma escolha que reflete prioridades. Enquanto em outras cidades esses espaços se tornam centros de cultura e encontro, em Aracaju a leitura ainda parece um privilégio distante.


Sabemos que estamos no começo de uma nova gestão, mas algumas urgências não podem esperar. Construir e manter bibliotecas não é um sonho distante — é um compromisso básico com o futuro.
Vídeos e posts podem divertir, mas não têm o mesmo poder de transformação que um livro aberto, uma história compartilhada, uma descoberta que muda a forma de ver o mundo. Como dizia Freire: “A educação não muda o mundo; muda as pessoas. E pessoas mudam o mundo.”


Nas periferias, o silêncio das bibliotecas vazias é ensurdecedor. Muitas bibliotecas escolares estão esquecidas, com livros parados e espaços subutilizados. Estamos perdendo oportunidades — hoje e para as próximas gerações. “Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes.” Mas como valorizar esses saberes se o livro não chega a quem mais precisa?


É uma contradição dolorosa: muitos jovens dominam a tecnologia, criam conteúdo, brilham nas redes, mas nunca tiveram a chance de se perder nas páginas de um romance, de se emocionar com uma poesia que fale à sua realidade. Conhecem os algoritmos, mas não descobriram ainda as palavras de Cecília Meireles ou Conceição Evaristo.


Como esperar políticas públicas efetivas para a leitura em um tempo em que governar parece se resumir a postagens e likes? Influencers têm voz, mas as bibliotecas seguem no esquecimento. Uma cidade que não lê é uma cidade que se fecha às transformações.
Como cantavam os Titãs: “A gente não quer só comida / A gente quer comida, diversão e arte.”


O povo precisa de cultura. Precisa de livros. Precisa de sonhos, de pensamento crítico, de histórias que abram novos horizontes. O Dia Mundial do Livro nos lembra que ainda há muito a fazer para garantir um direito básico: o acesso à leitura. E não apenas onde já é fácil, mas especialmente onde sempre foi negado. Aracaju tem diante de si uma escolha: ser uma cidade que apenas ensina a decifrar letras ou uma cidade que educa com dignidade, oferecendo cultura e conhecimento a todos. E esse caminho começa com mais bibliotecas — vivas, acessíveis e cheias de possibilidades.


Como Freire nos ensinou: “Não há neutralidade na educação.” Cada biblioteca que não se constrói é uma escolha. Cada criança sem acesso a um livro é uma oportunidade perdida.
Essas escolhas têm rostos e nomes: a prefeita, os secretários, os gestores culturais, os vereadores, os educadores. Todos têm um papel a cumprir.


É hora de colocar a leitura no lugar que ela merece — não só nos discursos, mas no orçamento, nas ações, no cotidiano. Chega de promessas vazias. Onde houver silêncio, que se levante a voz. Onde houver omissão, que se faça o diálogo. Porque uma criança sem acesso aos livros é uma criança com menos chances de sonhar, de crescer, de se tornar quem ela pode ser.


E isso não pode ser tratado com indiferença. Governar é também cuidar da cultura. E a sociedade tem o direito — e o dever — de participar, cobrar e construir juntos. Sem rancor, mas com esperança e determinação.


Aracaju precisa decidir: será a cidade onde o livro se esconde ou onde ele floresce? Vai deixar que a leitura siga como privilégio para poucos ou vai tratá-la como direito de todos?
Uma cidade que abandona suas bibliotecas não está apenas negligenciando a cultura — está abrindo mão do próprio futuro.

*Emanuel Rocha é historiador, coautor do livro “Bairro América: A Saga de uma Comunidade”, poeta popular e repórter fotográfico.

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