Resolução do atual reitor diminui o poder de voto dos estudantes e técnicos e coloca um cabresto na comissão eleitoral.
Por Felipe Lucas, militante do Levante Popular da Juventude, Ex-Vice-Presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Fernanda Teles, militante do Levante Popular da Juventude, atual Vice Presidente do DCE-UFS ex-Presidente do Centro Acadêmico de Serviço Social (CASSMAGA), e Tiago Alberto, militante do Levante Popular da Juventude, integrante do Conselho do Ensino, da Pesquisa e da Extensão (CONEPE).
Desde a década de 80, período da redemocratização do país, as entidades que representam os professores da UFS (ADUFS), os estudantes (DCE) e os técnicos (SINTUFS) têm organizado uma Consulta Pública para eleger o reitor e o vice-Reitor da UFS. A votação vem sendo paritária, ou seja, o voto de cada um desses segmentos que compõe a comunidade acadêmica tem o mesmo peso na decisão final. Essa prática terminou sendo reforçada pela Constituição Federal de 1988, que consagrou a autonomia universitária como um direito, no seu artigo 207, em oposição às ingerências da ditadura militar.
Na década de 90, com o avanço do neoliberalismo e a retirada escandalosa de direitos, o então Presidente FHC criou uma lei que tornou opcional a realização de consultas à comunidade acadêmica, deixando para um colegiado a escolha de uma lista de três possíveis reitores. A nomeação de um deles, ao final, caberia ao Presidente da República. Além disso, deu aos professores o peso de 70% na escolha, diminuindo bastante o poder de voto de estudantes e de técnicos.
Na contramão dessa determinação, assumindo a posição de vanguarda que sempre caracterizou as comunidades acadêmicas, as Universidades Públicas seguiram realizando Consultas Públicas como um requisito obrigatório, com igual direito de voto para todos. Por mais que tenha aprovado tal lei, FHC resolveu seguir respeitando a escolha do mais votado por professores, técnicos e estudantes das Universidades. O mesmo foi feito por Lula e todos seus sucessores, até Michel Temer.
Ocorre que Bolsonaro assumiu o governo, em 2019, disposto a acabar com a universidade pública. Em quatro anos, Bolsonaro não fez um encontro conjunto sequer com os reitores das instituições federais de ensino superior. Ele ironizou, publicamente, que os alunos das universidades e faculdades “fazem tudo, menos estudar”. Um dos seus ministros da Educação, Abraham Weintraub, alegou que as universidades seriam “desperdício de dinheiro público”. Com o governo se apoiando nesse discurso, as instituições superiores federais passaram por reduções sistemáticas de orçamento, com riscos de interromper as atividades por falta de recursos.
Nessa toada, Bolsonaro quebrou a prática de nomear o primeiro colocado da lista tríplice produzida pelas universidades após consulta à comunidade. O ex-presidente desconsiderou as eleições realizadas nas universidades e deixou de nomear o mais votado pela comunidade acadêmica em, ao menos, 40% das indicações para reitor, fato que ocorreu também na UFS. Ele passou a nomear reitores alinhados ideológica e politicamente com ele, como fez a ditadura militar.
Na última eleição da UFS, em 2020, o professor André Maurício foi o vencedor da Consulta Pública, com 64% dos votos. Porém, essa votação foi simplesmente ignorada, e houve outra no Conselho Superior. Em um grave retrocesso golpista, o escolhido foi um professor que sequer havia participado da Consulta Pública, Valter Joviniano, atual reitor da UFS. Para piorar, a nomeação dele foi aprovada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Diante desse atentado contra a vontade expressada pelo voto da comunidade acadêmica, diversas foram as mobilizações para denunciar que o reitor Valter Joviniano assumiu sem um processo democrático, como um verdadeiro interventor empossado por Bolsonaro.
O contexto do país agora é outro. Em janeiro de 2023, assim que voltou à presidência, Lula declarou publicamente que vai respeitar a nomeação do primeiro da lista nas Consultas Públicas para reitor de universidades. O anúncio se deu em uma reunião com reitores de instituições federais de ensino superior, no Palácio do Planalto, na qual o atual reitor da UFS estava presente.
“Não pensem que o Lula vai escolher o reitor que ele gosta. Quem tem que gostar do reitor é a comunidade universitária, que tem de saber quem pode administrar a universidade (…) Eu quero que vocês saibam que a autonomia universitária será garantida”. O ministro da Educação, Camilo Santana, reforçou: “O governo vai respeitar e nomear todos os reitores que forem escolhidos pela comunidade em sua consulta”.
Um frio deve ter subido a espinha do atual reitor, que foge das consultas. Porém, prevenido, no mês seguinte à vitória de Lula e à saída do seu padrinho, Jair Bolsonaro, da presidência da República, Valter Joviniano aprovou uma Resolução (nº 44/2022) que determinou que as consultas à comunidade acadêmica não teriam paridade entre professores, estudantes e técnicos. O peso dos votos dos primeiros seria de 70%, e os demais teriam 15% cada um. Apostou, assim, em dividir para governar.
Ainda de acordo com a Resolução, a condução do processo de votação não ficaria mais com a comunidade acadêmica, representada por suas entidades, ADUFS, DCE e SINTUFS. Mas, sim, sob o comando de uma Comissão Eleitoral, arquitetada cuidadosamente para que o atual Reitor tenha maioria nela e a dirija.
Essa seria a consolidação do maior retrocesso na democracia interna da UFS das últimas décadas, desde o fim da ditadura. Não só a opinião dos estudantes e dos técnicos valeria menos, tornando-se cidadãs e cidadãos de segunda categoria dentro da comunidade acadêmica, como a condução das eleições ficaria sempre nas mãos do reitor da vez, o que fragiliza a lisura do processo e tende a eternizar o mesmo grupo no poder.
E agora, o que fazer diante dessa nova tentativa de golpe? É preciso estar atento para 2024, pois esse ano ocorrerá uma nova eleição para reitoria. Em outras universidades públicas, com a UFAL, UFPE, UFJF, UFSJ, UFMA, UFLA, as eleições para reitor e vice têm sido realizadas com base em consultas democráticas à comunidade acadêmica, que estão sendo respeitadas por Lula.
Ter um interventor e sua equipe sob o comando da universidade dificulta os diálogos e enfrentamentos da comunidade, que busca uma universidade inclusiva, popular e de qualidade. Assim, a campanha para que a consulta pública seja respeitada e o nome indicado democraticamente seja empossado deve ocorrer com o máximo empenho do campo progressista e daqueles que lutam por uma instituição democrática.
A ADUFS, o DCE e o SINTUFS vão fazer uma eleição com base nessa resolução, que fere a democracia na UFS, ou vão rechaça-la, e seguirão lutando firmemente por uma real autonomia universitária, como vinha sendo feito há 40 anos? Sabemos que essas entidades partilham da opinião que devemos, urgentemente, convocar uma Assembleia Geral da Comunidade Acadêmica, já aprovada formalmente pelo DCE e ADUFS.
Um direito democrático, conquistado ao custo de muito sangue, contra os assassinos e torturadores da ditadura, não será retirado pela mão leve e uma canetada de um Reitor ilegítimo. É ano de luta. Luta para tirar os resquícios do governo Bolsonaro da UFS. E para restaurar a democracia em nossa instituição. Venceremos!
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